sábado, 7 de novembro de 2009

No Brasil, o professor da Universidade de Nova York, Alexander Galloway, analisa como funcionam os controles em ambientes digitais.

Saiba por que é falsa a sensação de liberdade na internet

Por Guilherme Felitti, do IDG Now!

Você se sente totalmente satisfeito quando navega pela internet amparado pelo conceito de livre expressão e movimentação? Quando abre seu navegador, Alexander Galloway, professor do departamento de cultura e comunicação da Universidade de Nova York, não divide da mesma certeza.

No sentido inverso à expressão e mobilização sem limites na internet, Galloway vê controles em ambientes digitais por meio da dominação de certas tecnologias (a altíssima penetração do TCP/IP, por exemplo, é preocupante, argumenta) e analisa a mudança na hierarquia após a popularização da web.

Em visita ao Brasil para participar do segundo seminário Cidadania e Redes Digitais, promovido pela Faculdade Cásper Líbero, Galloway destrinchou também a nova postura de resistência que deve acompanhar a quebra da hierarquia vertical, praticada até então por grandes corporações, governos e igrejas.

A filosofia hacker, defende, tenta explorar falhas em sistemas para que, dentro deles, descentralizem a inevitável formação de centros de poder em uma mídia que, teoricamente, daria a todos a mesma capacidade de expressão e movimentação.

Nesta entrevista concedida ao IDG Now!, Galloway também equipara o poderio de empresas responsáveis pela infra-estrutura técnica ao de governos e detalha a nova topologia da hierarquia online.

Ao contrário do senso comum da liberdade irrestrita da internet, você argumenta que os ambientes digitais são altamente controlados. Porque?

Bom, eu acho que é livre no sentido de movimentos livres, de abertura. O problema é que não acho que abertura e livre movimentação e expressão são incompatíveis com controle e organização. O que tento explorar nos meus escritos é como entendemos a organização do sistema que não se apóia na repressão, na disciplina ou na punição de indivíduos para estabelecer (relações de) poder ou controle. (Interessa-me) como podemos entender o cenário atualmente, um no qual abertura é permitida e promovida, transparência é permitida e promovida e expressão livre do indivíduo é permitida e promovida, mas, ainda assim, temos uma estrutura altamente organizada e controlada.

Que poder os protocolos têm no controle desta organização?
Geralmente abordo três perspectivas distintas do poder: o comercial, que tem muito poder especialmente no século 20; o poder governamental ou jurídico; e o poder técnico da infra-estrutura, algo sobre a qual não se fala muito, particularmente após o aumento na importância das redes nas três últimas décadas do século 20. Minha opinião é que a infra-estrutura técnica é um ator atualmente tão importante a ser considerados como os poderes corporativo, comercial ou governamental.

Que tipo de tecnologias são as mais relevantes neste controle?

Bom, acho que os protocolos de internet. É o tipo de linguagem mais singular e influente por causa da taxa extremamente alta de adoção no mundo. Por exemplo, o TCP/IP é a tecnologia que atingiu o maior grau de padronização e penetração que qualquer outra. Nenhum computador conectado à internet no planeta não faz parte deste conjunto.

Esta alta adoção não é boa, já que padroniza o acesso e impede o conflito entre dezenas de tecnologias proprietárias?

Sim. Existem vantagens e repercussões positivas disto. Mas acho que toda entidade singular, uniforme e única envolve perigos e conseqüências diretas. Para lhe dar uma analogia na história mundial, houve muitos casos de impérios, como o romano ou o britânico, em que sistemas operavam por uma padronização universal cujos efeitos negativos acabaram sendo a eliminação de especificadas e diferenças regionais.

Na modernidade, por exemplo, podemos fazer uma óbvia análise do desaparecimento de linguagens similar aos problemas ecológicos que estamos sofrendo agora e que trazem novas ameaças. Impérios são sedutores e trazem benefícios, mas também podem ser bastante sangrentos e destrutivos.

No livro “The Exploit” (editado pela University of Minnesota Press, sem edição para o português), você defende a importância de uma “resistência subversiva à rede” que poderia deslocar o controle central exercido sobre as redes. Como funciona este tipo de resistência?
Um conceito sobre o qual falei com Eugene Thacker (co-autor do livro) é um que vem da comunidade hacker, o do “explorar”. A noção básica é que, em ordem para intervir em um ambiente conectado, a resistência não é a melhor lugar para se ir. Talvez o melhor lugar para ir é, ao invés de parar, se aproveitar da máquina, explorando falhas ou problemas específicos ou características que compõem o sistema.

Ou seja, não construir uma máquina contrária para rivalizar com a original?
Sim, muito embora isto também seja um caminho. Um modelo antigo seria quebrar, travar ou sabotar a máquina pelo seu equipamento, em um movimento de resistência semelhante aos ludistas, por exemplo.

Nossa proposta é que, em um ambiente digital em rede, essas técnicas não são nada efetivas, já que redes distribuídas são construídas para evitarem bloqueios como este de maneira muito fácil e rápida. Se você constrói um muro, então a rede cria um caminho alternativo naturalmente, sem qualquer problema.

Nossa sugestão é “ok, vamos pensar em uma forma de agir politicamente que use se aproveite das características da rede”. Por isto preferimos teorias como a da aceleração à da resistência, em que você pressiona o sistema além das suas capacidades ao invés de debilita-lo ou restringi-lo.

Redes digitais se apóiam na criação de movimento. Se você tenta pará-lo, ela simplesmente desvia e te ignora. A questão é como você participa e fica em movimento. Talvez você tenha que se movimentar mais rapidamente ou de maneira diferente.

Isto quer dizer que, num ambiente de redes digitais, somos livres para que façamos o que quisermos, mas sempre sob vigilância alheia?
Sim. A transição de (Michel) Foulcault (filósofo francês que atrelava a punição ao cerceamento da liberdade) para (Gilles) Deleuze (também filósofo francês que defendia a liberdade humana controlada) é uma maneira perfeita de entender esta mudança histórica. Deleuze se foca no período moderno na maioria do seu trabalho, analisando as grandes instituições da modernidade, como a escola e o hospital, por exemplo, tendo como principal linha de condução a disciplina.

Ele admite que a proposta de Foucault é correta, mas defende que houve mudanças no século 20, principalmente nas noções de disciplina, repreensão e proibição que guiam o comportamento dos indivíduos. Essencialmente, ele abre caminho para um sistema que explora o contrário – em vez de disciplinar o corpo, você o libera.

Em vez da repressão do subconsciente, temos agora uma espécie de estágio neoliberal de expressão livre do indivíduo. E a palavra que Deleuze usa para personificar estas mudanças é controle, não mais disciplina.

O exemplo que ele usa é da rodovia: você pode se movimentar muito rápido e ir para onde quiser. Ainda assim, se você analisa uma estrada, é um sistema técnico altamente organizado e controlado: você tem que parar em certos momentos, respeitar a divisão de faixas, não pode bater nas outras pessoas...

Na era das redes digitais, a hierarquia morreu?
Acho que sim. No sentido clássico de hierarquia, no formato de uma pirâmide, explorado por instituições como a igreja, a maioria dos governos e as corporações. Talvez dizer que está totalmente morto seja muito extremo já que estes modelos antigos são muito resistentes. Concordo que, como instituições que se posicionam como líderes da sociedade, o conceito deu espaço para um em rede mais horizontal e não hierarquizado.

E uma das maiores importâncias das redes, fácil de ser esquecido, é que elas podem ser horizontais e rizomáticas, mas também têm sua própria tipologia. Elas podem acomodar tanto um centro de poder como uma distribuição rizomática. Você pode ter o Google, que é uma entidade incrivelmente central e controladora, mas faz seu dinheiro ao monetizar as diferentes formas da rede.

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