sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Manual de sobrevivência com o chefe

Você SA

Seu superior é arrogante, inseguro, desleal? Saiba como ter mais jogo de cintura para lidar com ele -- e também como melhorar a relação com aquele líder boa-praça

Por Anne Dias

Se a gente pudesse resumir o mundo corporativo a uma verdade, ela seria a seguinte: todo mundo tem chefe. Do chão de fábrica ao presidente. O presidente também? Sim, e olha que ele tem muitos chefes: os acionistas, os clientes, o conselho de administração etc. E, infelizmente, nem sempre a relação com a chefia é tranqüila. Por quê? Motivo é o que não falta: * O chefe não valoriza o que cada um faz de melhor, porque toma para si todas as idéias que a equipe dá.

* Não é carismático nem habilidoso, não tem empatia com a equipe.
* Bloqueia o acesso dos liderados ao topo da empresa ou a qualquer informação que passe perto dele.
* É incoerente: promete uma coisa e entrega outra.
* Não dá qualquer tipo de suporte quando um funcionário toma uma atitude arriscada.
* Passa a sensação de que não gostaria de ser chefe porque é inexperiente ou não foi treinado para a função.

Malhe seu chefe: histórias divertidas, ridículas e verídicas de chefes em todo o Brasil. Leia aqui

Às vezes, o chefe até parece alguém bacana, mas na verdade não faz grandes diferenças nem para o bem nem para o mal. O Guia Você S/A-Exame As Melhores Empresas para Você Trabalhar fez uma descoberta que põe em xeque o papel dos líderes. A avaliação das quase 427 000 pessoas que responderam ao questionário da pesquisa é de que seus líderes não estimulam a motivação do time. Conseqüentemente, a produtividade fica no limite do aceitável. Esses são chefes que, na percepção de suas equipes, não ajudam o profissional a crescer, mas também não chegam a atrapalhar. Um exemplo: são chefes que liberam o sujeito para sair mais cedo para um MBA, mas não movem um dedo para que a empresa banque um pedaço dos custos com o curso. "Um líder só se legitima quando ele agrega valor aos liderados", diz Joel Dutra, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA-USP), responsável pela metodologia da pesquisa que dá origem ao guia das melhores empresas.

A questão que surge a partir da constatação de que nem sempre o chefe está cumprindo o papel que se espera dele é como melhorar a conviência com seu superior, seja ele um problema, seja alguém que não atrapalha, mas também não ajuda. Isso sem ter de mudar de departamento ou de emprego. O primeiro ponto do manual de convivência pacífica e construtiva entre você e seu chefe deve ser evitar a todo custo a tentação de boicotá-lo. Ou, pior, de entregá-lo à diretoria. Essas duas alternativas acirram os ânimos ao ponto de colocar você e seu chefe em lados opostos de uma vez por todas.

Antes de tomar qualquer atitude, porém, a primeira recomendação do nosso manual é: reflita se seu chefe é mesmo um monstro ou se é você que precisa baixar a guarda. Tente avaliar tudo o que acontece no seu escritório com frieza. Ninguém chega ao poder por acaso. O consultor Francisco Higa, de São Paulo, especialista em gestão organizacional, sugere que você faça um esforço para identificar os pontos fortes que levaram o chefe a ocupar a maior sala do seu andar. É bem provável enxergar qualidades no líder.

Isso é recomendável principalmente quando o nível de conhecimento técnico da chefia está muito próximo aos dos membros da equipe. Diferente de dez ou 15 anos atrás, quando cursos, treinamentos e MBAs eram restritos apenas ao topo das empresas, hoje todo mundo pode voltar a estudar para aprimorar o que já faz. O risco é achar que o líder não tem muito a ensinar para a equipe. A situação não é necessariamente um problema, desde que o chefe complete a equipe em outros aspectos. É o caso da dupla Lara Simões de Matos, de 35 anos, e seu chefe, Gustavo Rodrigues Zaitune, de 33 anos, da Fosfertil, fornecedora de matéria-prima para fertilizantes.

Lara está na empresa há 11 anos. Gustavo chegou ali há dois anos e meio. Ela é compradora pleno da Fosfertil. Formou-se administradora de empresas com habilitação em comércio exterior e também estudou processamento de dados. Fora isso, Lara concluiu um MBA na Brazilian Business School (BBS), em São Paulo, com quatro áreas de concentração: empreendedorismo, marketing, finanças e negócios internacionais. Ela também fez o MBA na Universidade de Richmond, na Robins School Escola de Negócios de Richmond, parceira norte-americana da BBS, localizada no estado da Virgínia.

Já Gustavo, que é gerente de compras da Fosfertil, é engenheiro mecânico pela USP de São Carlos e está cursando um MBA executivo no Ibmec de SãoPaulo. A maioria das cem pessoas que ele comanda tem o nível técnico de Lara e muitas delas são mais velhas do que ele. O que Gustavo faz para não ser engolido pela equipe? "Não fico nos detalhes de uma operação. Sou muito mais estratégico", diz. O que a Lara acha dessa atitude? "Ele completa a equipe, fecha negociações em aberto, nos mostra outros caminhos", afirma.

Agora, se há problemas com o chefe e você não enxerga uma solução, temos a segunda recomedação do manual de convivência. Nada mais do que adotar uma estratégia de não-enfrentamento. "Uma maneira de livrar-se do chefe é ajudá-lo a subir no organograma", afirma Patrícia Molino, sócia da assessoria em gestão de recursos humanos da KPMG, de São Paulo. Ajudar o inimigo? Pois é. Essa pode ser a saída porque, no fim das contas, você também pode sair ganhando com isso. Quem sabe acaba ocupando o lugar do líder quando ele subir -- ou ele reconhece sua contribuição para a promoção dele e você vai junto rumo ao topo.

Um pouco de audácia também pode fazer bem. Então vamos à terceira dica para um convívio harmonioso: proponha um papo franco. "Quem não tem medo de perder o emprego acaba crescendo, porque passa a ser quem realmente é e tem condições de tentar resolver a situação num diálogo construtivo", diz Patrícia. Tenha muito claro que expor suas opiniões e intenções numa conversa tête-à-tête é colocar as cartas na mesa. Só vale a pena se seu chefe for uma pessoa amadurecida, quem sabe até iluminada. Caso contrário, esteja preparado para retaliações. Ele ou ela não vai gostar nadinha de ouvir você dizendo o que há de bom e ruim em sua forma de gerir as pessoas.

Sem correr esse risco, entretanto, você nunca vai saber se o papo resolveria a questão. O administrador de empresas paulistano José Jacques Memran, de 29 anos, consultor interno da Ultragás, em São Paulo, nem sempre abaixa a cabeça para seu líder, o gerente administrativo Eli Lázaro, analista de sistema, de 38 anos. "Chefe é visto como o cara que resolve, mas nem sempre dá para concluir um projeto no prazo determinado. Nessas horas, começam as discussões. A sorte é que Eli é aberto a idéias sustentáveis", diz Jacques.

Esse é o segredo da dupla. Um se dispõe a falar e o outro a ouvir. Toda semana Eli se reúne com Jacques e outras três pessoas da equipe num almoço, num lanche ou numa sala, para alinhar os objetivos. "Procuro deixar o ambiente informal para que as pessoas se sintam à vontade para falar", diz Eli. Em resumo, Eli está estimulando o surgimento de novas lideranças, enquanto Jacques está trazendo a chefia para o dia-a-dia. Jacques tem conseguido bons frutos nas conversas porque pesa as palavras. Por isso, nunca diga na cara do líder um defeito dele. No lugar de falar "você é muito mal-educado", prefira "eu me sinto desconfortável quando você faz tal coisa". Além de mais elegante, você pontua o que incomoda e não põe o outro na defensiva.

É claro que tem muito chefe que precisa baixar a bola e merece ouvir poucas e boas. Sobre esses "malas" o consultor Francisco Higa escreveu em seu livro Vai Dar M... (Editora Gente): "O gestor precisa (...) entender que os resultados de um projeto não dependem de sua competência profissional. Os resultados dependem do relacionamento estabelecido com as pessoas envolvidas". Ou seja, por mais que o chefe se ache, ele não consegue nada sozinho e todo mundo na organização sabe ou deveria saber disso. Considerando esse fato, vamos à quarta dica do manual do bom relacionamento. Nunca se deixe vencer pela desmotivação. Você deve continuar se mantendo ativo, cumprindo horários e dando idéias. Se possível, evite até as conversas no corredor. Na prática, você precisa ser mais forte (a tal da resiliência se manifestando) do que imagina para driblar um chefe inábil. O que não significa que seja uma missão impossível.

Há quem só pense em jogar tudo para o alto e abrir o próprio negócio para nunca mais ter chefe. Mas empreender é a melhor saída? Depende. "É muito comum um executivo abrir mão da carreira para ter o próprio negócio", diz o consultor Fernando Dolabela, de Belo Horizonte, um dos maiores especialistas em pequena empresa do país. Só que nem sempre o profissional que fez essa opção tem sucesso. Por quê? Porque tem gente que pega tanta ojeriza do chefe que acaba decidindo dar uma virada total sem se preparar adequadamente para a vida empreendedora. E é aí que o engenheiro com pós-graduação e MBA vira dono de livraria, sem conhecer o mercado, os fornecedores e os consumidores, nem avalia o bairro onde está se instalando. Tudo errado. O ideal é aproveitar todo o conhecimento que se tem em uma área e centrar fogo nisso. Esse mesmo engenheiro se daria melhor se abrisse uma pequena empreiteira para realizar obras em casas e apartamentos. "É melhor abrir um negócio sobre o qual você entende do que entrar num ramo desconhecido, mas que você acha fácil", afirma Fernando Dolabela. O gerente administrativo Eli Lázaro (à esq.), chefe do consultor interno José Jacques Memran, da Ultragás, de São Paulo: eles fazem as pazes no almoço

Antes de entrar em pânico, é bom lembrar que há sempre um chefe bacana. Antes de sair da empresa, você pode tentar mudar de departamento indo para aquele em que o líder é reconhecidamente um sujeito do bem. Taí o próprio guia As Melhores Empresas para Você Trabalhar como prova de que chefe bacana existe, sim, senhor. Fora do Guia há também empresas que conseguiram desenvolver um bom relacionamento do chefe com a equipe. É o caso da Disoft, empresa de software de São Paulo. Lá, um líder antes de ser contratado passa por uma avaliação da equipe. É o primeiro passo para tudo se desenrolar bem desde o começo. A empresa adotou esse sistema em 2003. De lá pra cá, seu faturamento anual pulou de 8 milhões de reais para 12 milhões de reais. "As pessoas precisam e querem ser ouvidas", diz o presidente da empresa, Claudio Emanuel de Menezes.

Se vocês já se tornaram inimigos públicos, veja o lado positivo da situação. A sugestão não é levar você a fazer o jogo do contente, ou seja, fingir que tudo está sempre bem. A sabedoria, aqui, é tirar alguma lição para as próximas etapas da sua carreira -- eis nossa quinta e última dica para o bom convívio com o chefe. Foi o que fez o publicitário Alexandre Adoglio, de 35 anos, de São Paulo. Alexandre passou por grandes empresas. Trabalhou na Camil, M.Officer, Freios Vargas e na produtora de café Ipanema. O publicitário teve chefe de todo tipo e aprendeu, na marra, a lidar com todos eles. "O pior foi um chefe boçal, que não conseguia aprovar nada, não sabia cumprir prazos e não tinha o apoio da equipe", diz.

No começo do ano, Alexandre foi contratado como gerente de marketing da importadora de máquinas de café Saeco, com sede em São Paulo, e virou chefe de quatro pessoas -- acima dele só o sócio. "Minha intenção como chefe é conseguir conciliar todos os interesses, estar próximo à equipe e não cometer os erros dos meus chefes do passado", diz. "O pior tipo de chefe para mim é o arrogante, que não reconhece quando a equipe acerta." Alexandre, assim como os outros executivos citados nesta reportagem, Lara e José Jacques, reconhece que não dá para esperar que o chefe seja um cara perfeito. E você também deveria pensar assim, até porque, olhando para o outro lado do balcão, não existem equipes perfeitas. O líder sempre terá defeitos, bem como seus liderados. O que ele não pode ser é desonesto ou displicente no comando de seu time.

Falando nisso, um estudo feito pela consultoria FranklinCovey com cerca de 54 000 executivos no mundo mostra que integridade é a característica mais valorizada pelos liderados (veja mais no quadro Existe um Modelo Ideal?). Ninguém deve esperar que o chefe seja imaculado. A convivência, mesmo que construtiva, sempre terá seus altos e baixos. Pense nisso da próxima vez que você criticar seu chefe.

Por encomenda da VOCÊ S/A, o Ibope Solution fez essa pergunta* a 600 pessoas, com idade entre 20 e 45 anos, de classe A/B de São Paulo, Rio, Porto Alegre e Belo Horizonte e com carreiras promissoras em empresas privadas. A maioria dos entrevistados (83%) está bem satisfeita com a empresa em que trabalha. E a relação com a chefia é o item de maior satisfação para esse pessoal (64%), à frente da política de remuneração, do clima e das promoções."Esse é um público bem preparado, que sabe cobrar seus superiores", explica Paula Sória, diretora de atendimento e planejamento do Ibope Solution. "Se não está satisfeito, esse executivo sabe que vai encontrar espaço em outra empresa. Por isso, elas cuidam bem dele."

*Parte integrante da pesquisa Projeto Gestão

Durante dez dias, o site da VOCÊ S/A abriu espaço para as pessoas falarem de seus chefes. O que elas disseram:

"Tive uma chefe que não entendia nada da parte técnica do trabalho. Qualquer erro, a culpa era de toda a equipe."

"Liderança para meu chefe significa poder. Ele esquece que não será gerente para sempre. O mundo dá voltas e um dia ele poderá estar em outro lugar."

"Meu chefe é grosso comigo, fala alto e às vezes não consigo me controlar. Aí começa o bate-boca. Parece que depois que ele virou gerente o cargo lhe subiu à cabeça e ele virou um manipulador."

"Meu ex-chefe nunca fez uma reunião e nunca conversou com os subordinados. Todo mundo fazia o que aparecia para fazer e ele não estava nem aí."

"Meu chefe só quer saber de uma coisa: cobrar resultados."

"Surpreende o número de pessoas despreparadas eticamente e que estão no comando, até mesmo de bancos de ponta. Meu ex-chefe é uma dessas pessoas. Suas práticas, que diferem completamente do seu discurso, evidenciam sua filosofia de vida: aparecer é o que importa. Ser é um mero detalhe."

"Como eu poderia definir minha gerente? Incompetente, grossa, cruel, mal-educada, víbora e, pior de tudo, uma burra incondicional!"

"Minha chefe ofende, humilha e grita o dia inteiro. Maltrata as pessoas na frente das outras, coloca uns contra os outros."

"Não odeio meu chefe, odeio a forma como distingue as pessoas, preferindo os puxa-sacos, cujos erros esconde e ainda os coloca para concorrer a cargos de comando."

"Ouvi meu chefe falando para uma colega no oitavo mês de gravidez: 'O que está havendo com você? Parece que o bebê sugou seu cérebro'."

"Tudo o que você aprende nos cursos sobre liderança e trabalho em equipe vai por água abaixo... E qual o resultado? Um funcionário cada vez mais desmotivado."

"Todo chefe é odiado por alguém."

O gerente de marketing da Saeco, Alexandre Adoglio, de São Paulo: ele sofreu com ex-chefes, refletiu e aprendeu a lidar com situações difíceis

Estudo da FranklinCovey com 54 000 executivos no mundo mostra que tipo de chefe eles valorizam:
1. Íntegro
2. Comunicativo
3. Visionário
4. Que sabe tomar decisões rapidamente
5. Modelo para todos os funcionários
6. Eficaz e corajoso

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