sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Egito exige que iPhone tenha sistema GPS desabilitado

Governo argumentou que essa era uma prerrogativa militar.
Apple cedeu, fazendo modificações no telefone multimídia.

Noam Cohen Do 'New York Times'

 Divulgação/Divulgação

Sistema GPS do iPhone teve de ser desabilitado no Egito. (Foto: Reprodução)

Entre os ultrajes internacionais, privar cidadãos de mapas personalizados parece estar bem no final da lista. Mesmo assim, essa foi a condição inserida na introdução do iPhone 3G da Apple no Egito. O governo exigiu que a empresa desabilitasse o sistema GPS do telefone, argumentando que essa era uma prerrogativa militar.

A Apple aparentemente cedeu, provavelmente seguindo uma dica das empresas de telecomunicações que vendem o telefone por lá, disse Ahmed Gabr, dono de um blog no Egito, gadgetsarabia.com, e escreveu sobre o lançamento do iPhone no país. "A questão é que usando uma unidade de GPS você consegue coordenadas precisas de qualquer lugar, e por isso, bases militares poderiam ser facilmente marcadas," ele escreveu por e-mail.

Conheci Gabr no último verão em Alexandria, no Egito, na conferência mundial da Wikipedia. Ele era o típico jovem egípcio na platéia - sedento por novas tecnologias, esperançoso a respeito do que elas significariam para seu país.

Assim como qualquer país, entretanto, o Egito ilustra a natureza da tecnologia num governo opressor. Jovens se aglomeram no Facebook, de um jeito que eu nunca havia imaginado. Para o maior país árabe do mundo, essa era uma maneira de a elite instruída se conectar uns aos outros e àqueles que deixaram o país para uma educação ainda mais de elite. 

Popular

Andrew Bossone, um americano residente no Cairo que escreve sobre tecnologia, disse que o iPhone no Egito era "realmente popular - todos conhecem o iPhone". Além de editar uma revista de tecnologia, ele leciona na Universidade Americana. "Um de meus alunos que vem de uma família rica tem o iPhone, e um de meus designers, que não é rico, comprou o seu no cartão com crédito", disse ele.

Bossone afirma acreditar que o governo se renderá em questões como o GPS, porque ficará do lado dos negócios mesmo à custa de preocupações com a segurança. "A própria economia é um assunto de segurança," disse ele. "Quanto mais lentamente a economia cresce, mais pessoas ficam descontentes, e isso é um assunto de segurança."

Mas até então, cada vez que a tecnologia prometeu ajudar na introdução da democracia no país, as esperanças dos jovens foram frustradas. Um movimento pela reforma política que usou o Facebook para organizar protestos na primavera foi fechado. As autoridades foram linha-dura, prendendo muitos dos organizadores. Nas últimas semanas, um blogueiro afiliado ao grupo radical Irmandade Muçulmana foi preso por seus artigos, de acordo com a Rede Árabe pelos Direitos Humanos. Outro blogueiro está sendo mantido num campo militar, diz o grupo.

Já seria o bastante fazer alguém questionar se as novas tecnologias - o computador, a internet, o todo-poderoso smartphone - nos ajudarão a alcançar a liberdade ou simplesmente passarão essa ilusão.

Foto: Divulgação

iPhone 3G é vendido em diversos países, inclusive no Brasil. (Foto: Divulgação )

Mudanças

A Apple modificou seu telefone sem qualquer conhecimento público. Numa série de trocas de e-mails e breves conversas telefônicas, uma porta-voz da empresa detalhou o sucesso do iPhone ao redor do mundo - com um total de 13 milhões de aparelhos vendidos desde seu lançamento em junho de 2007, e mais de 200 milhões de aplicativos baixados. 

Mas ela não abordou como o iPhone chegou a ser desabilitado e se a Apple tinha uma política a ser seguida em modificar seus produtos para corresponder às exigências de governos em todo o mundo.

Esse assunto continua sendo relevante enquanto a Apple negocia a introdução do iPhone na China, que com seus estimados 500 milhões de usuários a torna o grande mercado de telefones celulares. Alguns relatórios informam que, além de assuntos de divisão de lucros, houve conversas sobre modificar o aparelho para não utilizar a rede 3G ou oferecer a funcionalidade Wi-Fi.

Gabr descreveu em seu e-mail o que ele considerava ser a falha lógica das políticas no Egito. "De um ponto de vista técnico, isso é totalmente sem lógica, porque o Google Maps funciona perfeitamente por aqui - você consegue até mesmo obter uma foto clara (com coordenadas precisas) de locais que você não deveria ver."

Ele disse ter comprado, meses atrás, "um iPhone 3G americano através do eBay" com funcionalidades completas. "Mais barato, mais rápido e sem compromisso," escreveu ele. 

Direito ao GPS

Tenho que admitir, eu não achava que o direito ao GPS era uma das liberdades fundamentais. Mas Arvind Ganesan, diretor do programa de negócios e direitos humanos do Human Rights Watch, colocou a questão num contexto mais amplo.

Em primeiro lugar, ele descreveu a liberdade de informação como parte da mais famosa e mais ampla liberdade de expressão. A transparência a respeito do orçamento do governo, por exemplo, pode ser crucial para eliminar a corrupção e instituir reformas democráticas. 

Foto: Divulgação

iPhone tem tela sensível ao toque. (Foto: Divulgação )

E, segundo, ele argumentou que era importante que as empresas de tecnologia definissem princípios e os seguissem. "Essa é a grande questão para a Apple: isso é uma abordagem direta, ou existe uma política fundamental, equilibrando a liberdade de expressão e informação às exigências do governo?"

É fácil ser arrastado pela utopia incrustada nas novas tecnologias. Que seremos mais politicamente engajados graças às ferramentas de organização e arrecadação de fundos das redes sociais, que teremos pensamentos notáveis agora que qualquer um pode acessar quase tudo já escrito, que nossos ódios tribais se evaporarão assim que o mundo reconhecer que estamos todos genuinamente conectados.

Mesmo aqueles como Ganesan, que vêem a tecnologia sendo maltratada, estão cautelosamente otimistas. "As tecnologias não tornam as pessoas responsáveis. Elas dão às próprias pessoas as ferramentas para tornar as pessoas responsáveis." Mas acrescentou: "Acreditamos, como grupo de direitos humanos, que a internet pode ter um efeito de abertura e transformação."

Quando o Human Rights Watch foi fundado em 1978, disse ele, as pessoas estavam "contrabandeando cartas manualmente da União Soviética - e foi assim que o mundo soube de um dissidente". Hoje, há uma gama de ferramentas para difundir a palavra, de blogs a e-mails, passando por vídeos no YouTube. "Nós podemos não saber qual é o impacto máximo da abertura," ele disse. "Mas sabemos que as piores coisas acontecem nos lugares mais fechados."

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